sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Meninos Travestis seguem invisíveis

Descaso
Poder Público e entidades não alcançam jovens traficados


O Liberal - Edição de 06/11/2008

Texto: AVELINA CASTRO E JAQUELINE ALMEIDA Foto: SHIRLEY PENAFORTE

A série publicada esta semana sobre meninos travestis começou no último domingo, 2, com o título 'Traficados, explorados e invisíveis'. Quem acompanhou uma ou mais reportagens percebeu pelos relatos e histórias o porquê dos dois primeiros adjetivos. O 'invisíveis' se justifica porque em todos os casos relatados não houve praticamente nenhum envolvimento de qualquer autoridade, representante de Organização Não-Governamental - seja da infância ou da área da diversidade sexual - conselho tutelar ou qualquer outra instância do Sistema de Garantia de Direitos, conjunto articulado de pessoas e instituições que atuam para efetivar os direitos infanto-juvenis com base na ação da família, das organizações da sociedade (instituições sociais, associações comunitárias, sindicatos, escolas, empresas), dos Conselhos de Direitos, dos Conselhos Tutelares e das diferentes instâncias do Poder Público (Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública e Justiça, etc.).

Por mais cruéis e graves, nenhum dos assassinatos relatados por mães e pais foi investigado, nenhum acusado foi sequer identificado e a maioria dos casos não resultou sequer em um relatório policial enviado ao Ministério Público. 'Nunca consegui saber quem foram as pessoas que mataram meu filho', disse Lúcia*, mãe de Pedro*, morto por uma 'bombadeira' - nome dado a pessoas que aplicam silicone industrial. As práticas de aliciamento, cárcere privado, formação de quadrilha, corrupção de menores e outros crimes associados ao tráfico de pessoas também nunca foram coibidas de fato.

Com exceção de duas grandes ações comandadas pela diretora da Divisão de Atendimento à Criança e ao Adolescente (Data), Socorro Maciel, em 2006 e no ano passado, nem a polícia de Belém nem a polícia dos estados de destino se mobilizam para coibir o tráfico e responsabilizar os acusados. Serviços de assistência social ou ONGs também ignoram os adolescentes paraenses traficados. Em São Paulo, o próprio secretário municipal de Direitos Humanos, José Gregory, assumiu ter pouco conhecimento sobre o assunto e disse que gostaria de receber mais informações. Tatiana Amêndola, da Secretaria Municipal de Assistência Social, também reconheceu que nenhum adolescente paraense foi atendido nos últimos anos pela rede de assistência de São Paulo. Um conselheiro de direitos da capital paulista foi ainda mais longe: 'Se vocês não conseguem resolver esse problema em Belém, como esperam que resolvamos em São Paulo?'

Para Thaís Dumet, coordenadora do Programa de Tráfico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), muito da dificuldade para enfrentar o tráfico de pessoas vem das próprias características do crime, uma delas o deslocamento da vítima. Outro problema está na dificuldade que muitos têm de identificar que um adolescente, ou mesmo adulto, está sendo traficado. 'Muitas vezes vemos casos descritos como exploração que, quando investigados melhor, se revelam como tráfico', explicou. Para a especialista, outro ingrediente complicador é a própria resistência a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. 'Ainda há muito preconceito com adolescentes vítimas de violência sexual e tráfico. Muitas vezes, eles não conseguem nem se misturar com os demais', concluiu.

Movimentos de homossexuais defendem união para combater tráfico

Presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB) - referência na temática homossexual no País - o antropólogo Luiz Mott destaca que o movimento é contra qualquer tipo de exploração sexual de crianças e adolescentes, assim como a prática ilegal das 'bombadeiras' e do que chama de 'cafetinagem'. De acordo com ele, o movimento homossexual no Brasil está completando 30 anos e sempre teve uma posição libertária, aberta à participação de adolescentes nas discussões do grupo. Porém, ele admite que essa participação é bem pequena, assim como a de órgãos ligados à defesa de direitos da infância e da adolescência. 'Sempre convidamos representantes dos movimentos desse segmento para nossas reuniões, mas eles não participam', disse Mott.

A presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Pará (Astrap) - criada em setembro deste ano - Raíssa Gorbachev, defende que entidades e órgãos da rede de proteção a crianças e adolescentes precisam se unir aos movimentos GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) para planejar e desenvolver ações de enfrentamento ao tráfico e à exploração sexual de crianças e adolescentes. 'Tenho participado de vários fóruns de discussão e defendido essa união como forma de fortalecer as ações, que hoje estão sendo feitas de forma isolada pelas entidades', disse.

Keila Simpson, presidente da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), destaca, no entanto, que os dois movimentos de defesa de direitos humanos (Infância e GLBT) ainda estão bem distantes. 'Historicamente, a sociedade associa o movimento homossexual à pedofilia, por isso nós, dos movimentos homossexuais, não temos desenvolvido um trabalho voltado para a área da infância e adolescência por receio, para fugir desse estigma', declarou.

Ela acrescenta ainda que o movimento está encaminhando um documento ao Ministério da Justiça para que seja feito um levantamento quantitativo e qualitativo de travestis (adultos e adolescentes) em todo o País. 'É preciso saber quantos são e o perfil desse público para que as políticas públicas e ações de enfrentamento ao tráfico e exploração sexual tenham eficácia', disse.

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