sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pesquisa traça perfil de jovens aliciados em Salvador e Feira

24/10/2008 às 00:43

Luisa Torreão, do A TARDE

Madalena tem menos de 15 anos e sofre exploração sexual para fins comerciais em pleno Centro Histórico de Salvador. Agenciada por um adulto, também divide os ganhos com taxistas que servem de intermediadores com clientes. Ela é natural de Santo Antônio de Jesus (a 185 km da capital) e vive há cinco anos na capital, para onde veio em busca de melhorias.

Negra, com baixo nível de escolaridade, Madalena traz no histórico de vida um quadro de vulnerabilidade familiar e financeira, agravado por abuso sexual sofrido aos 12 anos. Ela representa uma das 10 histórias de vida selecionadas pela pesquisa Tráfico de Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual no Estado da Bahia, cujo lançamento ocorreu na quinta-feira, 23.

O estudo foi apresentado pela socióloga Graça Gadelha, durante o último painel do V Encontro Internacional sobre Direitos Humanos, Segurança Pública e Tráfico de Seres Humanos: Assistência Integral às Vítimas, realizado no Centro de Convenções, de terça-feira até quinta. Graça atuou como consultora especial na iniciativa pioneira do Instituto Winrock.

A pesquisa traça um perfil de 22 adolescentes aliciados nas cidades de Salvador e Feira de Santana. A primeira foi escolhida pelo atrativo turístico e a segunda por ser o maior entroncamento rodoviário do Estado. “A configuração do tráfico se dá por rotas intermunicipais, muito concentrado em ambientes festivos, tendo nos próprios moradores locais os maiores exploradores“, aponta a socióloga.

A maioria do público abordado responde por faixa etária de 12 a 15 anos (54,5%), sexo feminino (86,4%) e cor negra ou parda (81,8%), o que demonstra tratar-se de uma questão de gênero e etnia. A história desses meninos se assemelha à da jovem Madalena. “Chama atenção que a imensa maioria vem de um contexto de vulnerabilidade muito grande, com histórico anterior de violência“, observa Graça Gadelha.

Nesta perspectiva, sabe-se que 63,3% vieram de uma família com renda inferior a um salário mínimo; 66,7% sofreram violência física, enquanto 23,8% foram abusados sexualmente. Para 31,8% a busca por melhores condições de vida foi o que motivou a saída de casa, seguido por desejo de aventura e conhecer outros lugares (13,6%). Para tanto, 77,3% receberam ajuda em dinheiro, roupas e passagens.

“O que eles querem não é nada mais do que todo adolescente quer“, afirma Graça. O desejo de sair dessa vida está presente na fala de 86,4% dos adolescentes, que alegaram, entretanto, não querer retornar aos municípios de origem. Para a socióloga, a solução está em ações conjuntas. “É o que propõe o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): a articulação integrada dos diversos setores“.

A secretária da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia (SJCDH), Marília Muricy, que esteve presente ontem no lançamento, reforça que o envolvimento deve ser de toda sociedade, incluindo as diversas secretarias e as polícias. “É preciso olhar essas crianças como pessoas sobre as quais todos temos responsabilidade“.

De acordo com o superintendente da SJCDH, Frederico Fernandes, o estudo servirá de subsídio para a implementação do Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, previsto para ser lançado até o final do ano. A proposta consta na própria pesquisa, que oferece recomendações a serem aplicadas a partir dos eixos de prevenção, atendimento e responsabilização. Entre elas, formar equipes multidisciplinares, criar espaços de denúncia 24h, garantir orçamento, aparelhar delegacias, realizar campanhas.

A pesquisa foi realizada de janeiro a julho deste ano, sobre o marco temporal de março de 2005 a fevereiro de 2008. Além das abordagens a adolescentes, foram entrevistados 31 especialistas que atuam junto às vítimas - foram mapeadas 24 organizações em Salvador e 15 em Feira de Santana. Além disso, uma análise de mídia tomou como base 62 matérias do jornal A TARDE, que abordou o tema em 10,10% dos textos veiculados de 2006 e em 6,84% de 2007.

“A pesquisa vem suprir uma lacuna que existia. A gente ficava só no campo da especulação e agora temos um instrumento valioso, que pode servir de referencial para todo o País“, considera o coordenador do Cedeca, Waldemar Oliveira. Financiada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a publicação do Instituto Winrock tem apoio da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia e da Oak Foundation.

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